ARX Arquivo/Archive

Descrição

ARX arquivo

“O arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares. Mas o arquivo é, também, o que faz com que todas as coisas ditas não se acumulem indefinidamente numa massa amorfa, não se inscrevam tampouco, numa linearidade sem ruptura, e não desapareçam ao simples acaso de acidentes externos, mas que se agrupem em figuras distintas, se componham umas com as outras segundo relações múltiplas, se mantenham ou se esfumem segundo regularidades específicas; ele é o que faz com que não recuem no mesmo ritmo que o tempo, mas que as que brilham muito forte como estrelas próximas venham até nós, na verdade de muito longe, quando outras contemporâneas já estão extremamente pálidas.”
Michel Foucault, A Arquelogia do Saber (tradução de Luiz Felipe Baeta Neves), 1997 [1969]

Em 1993, inaugurava o Centro Cultural de Belém, integrando uma pequena exposição, denominada Realidade-Real, do então prometedor atelier ARX Portugal. Passados 20 anos, a exposição ARX arquivo vem justificar essa aposta, na altura não isenta de risco, numa prática portuguesa emergente.
Esta exposição mostra que essa aposta deu e continua a dar frutos. A actividade dos irmãos Nuno e José Mateus tem marcado a arquitectura portuguesa, evidenciando uma constante acutilância crítica e vontade experimental. A sua singularidade emerge da exploração intensiva do projecto arquitectónico. Mas o projecto é para a ARX Portugal mais do que a resolução de um programa, a expressão de uma técnica e a integração num lugar. É, no essencial, uma nova forma de prática arquitectónica, assente na resposta criativa a um determinado contexto físico e social. Manifesta-se, por isso, nas próprias estratégias projectuais e nos processos de formalização arquitectónica, informados por uma abertura inquiridora ao mundo e experimentados, quase obsessivamente, sobre a matéria física e tridimensional da maqueta. A força das obras da ARX Portugal reside, precisamente, nessa investigação do potencial do projecto arquitectónico.
ARX arquivo é uma exposição centrada na construção de um arquivo. Um arquivo que se constitui, dando-se a ver, mostrando-se. Proporciona, assim, a experiência de habitar este arquivo, com as suas formas surpreendentes de referenciação e classificação do processo arquitectónico. Daí o convocar das figuras arquivísticas do Atlas, Gabinete de Curiosidades e Cinema.

Atlas ARX
O Atlas ARX convoca a ideia de atlas proposta por Aby Warburg, no início do século XX e desenvolvida depois por diversos pensadores e artistas. Por natureza, o atlas é uma figura da mediação, ou seja, uma estrutura de relações e conexões entre imagens, próximas ou distantes, activadas pela memória. Se, por um lado, joga com o estabelecido, garantindo a inteligibilidade, por outro, avança com cortes cirúrgicos na sua causalidade, libertando o imprevisível. Neste sentido, o atlas constrói identidades por acção de diferenças, instaura a familiaridade a partir da estranheza. Mais processo do que resultado, o atlas põe os conceitos em movimento, investigando potenciais latentes, explorando novas aberturas, traçando linhas de fuga.
O Atlas ARX propõe um deslocamento para fora de si. Exprime um movimento de abertura que conecta esta prática arquitectónica com a disciplina e com o mundo, mapeando-a e referenciando-a. Para o realizar, apropria as duas dimensões estruturais da ideia de atlas, apresentando, ao mesmo tempo, uma cartografia especulativa e uma série significante de imagens. De modo deliberado, confronta o cronológico com o temático, atravessa a ordem biográfica com o imaginário universal. No limite, este atlas de parede, sendo uma parte da exposição, avança uma possibilidade de leitura da actividade da ARX. Por isso, não pode ser verdadeiramente considerado um elemento autónomo, mas um dispositivo de diálogo com o todo da exposição.
Gabinete de Curiosidades ARX
O Gabinete de Curiosidades ARX inspira-se no modelo exploratório do Curiosity Cabinet ou Wunderkammer do século XVII. No momento de emergência do pensamento moderno, quando religião, filosofia, arte e ciência ainda partilhavam territórios, este foi o seu derradeiro espaço de confluência e encontro. Um microcosmos de um mundo embrionário ainda com categorias por definir e fronteiras por delimitar. Para a constituição destes gabinetes de curiosidades, exigiram-se sistemas de nomeação e lógicas de analogia. Porém, os tipos e espécies da realidade natural e humana não só se reuniram, mas igualmente se espacializaram. Antecedendo o museu, mostraram as maravilhas enigmáticas do mundo, como numa enciclopédia de evidências materiais.
O Gabinete de Curiosidades ARX expõe o arquivo desta prática arquitectónica. Mostra-o subentendendo uma estrutura de classificação conceptual e material, com o seu foco na maqueta, instrumento privilegiado de investigação deste atelier. As múltiplas maquetas, construídas com variados materiais e a diversas escalas, apresentam-se como espécies evolutivas, revelando o processo criativo. Uma metodologia experimental de tentativa e erro, de avanços e recuos, inerente ao trabalho projectual desta dupla. As maquetas mostram-se dentro das próprias caixas de arquivo, distribuídas em linhas sucessivas de estratificação arqueológica. Algumas maquetas finais, de projectos que se materializaram em obra, elevam-se, pairando no ar. Uma paisagem ARX que remete para o real.
Cinema ARX
O Cinema ARX mostra a arquitectura construída através da imagem em movimento. A arquitectura é uma arte simultaneamente espacial e temporal, conferindo-lhe uma afinidade estrutural com o cinema. Não será por acaso que Eisenstein dizia que a arquitectura era indubitavelmente a antecessora do filme. Por outro lado, a promenade architecturale moderna só poderia ser captada através da dinâmica e montagem da imagem cinemática. Na ausência da obra construída, a arquitectura constitui-se como uma série de planos, movimentos e texturas. O cinema torna-se dispositivo de investigação e produção espacial, configurando uma arquitectónica de imagens.
O Cinema ARX exibe espaços construídos por esta prática arquitectónica. Interpreta-os filmicamente, explora-os espacialmente, com os instrumentos técnicos e criativos do cinema. Mostra intencionalmente os espaços habitados de cinco obras públicas, recentemente concluídas, com programas e lugares muito diferenciados. Apresenta leituras poéticas e críticas do espaço vivido, oferecendo uma experiência imersiva, simultaneamente visual e sonora. Mais hápticas do que meramente ópticas, estas são experiências singulares de obras irrepetíveis. Em suma, uma paisagem de percepções e afectos que revela a arquitectura da ARX, através da exposição surpreendente da vida quotidiana dos seus edifícios.

Ficha Técnica

Localização

Centro Cultural de Belém, Lisboa, Portugal

Projecto
2013 - 2013

Curadoria

Luís Santiago Baptista

Projecto Expositivo

ARX PORTUGAL, Arquitectos Lda.
José Mateus
Nuno Mateus

Desenho Gráfico

Pedro Falcão

Filmes

Realização e Montagem: Carlos Gomes
Direcção de Fotografia: Miguel Robalo
Direcção e Mistura de Som: Vasco Pimentel

Equipa

Sofia Raposo
Ricardo Guerreiro
João Dantas
Fábio Cortês
Ana Acosta
Raquel Santos

Colaboração

Isabel Mello
Alexandra Margaça
Ana Fontes
Bruno Martins
Andrea Grillo
Costanza Marhetti
Emanuele Spaziani
Paulo Rocha
Frederico Moncada
Rodrigo Gorjão Henriques
Stefano Riva
Pablo Méndez
Omar Sala
Amice Piovani
Daniela Marques
Michael Marques
Eduardo Arnaut
Cristiano Rodrigues
Marco Castelhano
João Samina

Apoios

Multi Corporation
Câmara Municipal de Cascais
Câmara Municipal de Cantanhede
Encobarra Engenharia SA
HCI Construções
Manuel Mateus Frazão Construções
VM Zinc
Grupo K