Realidade Real
O projecto realidade-real não é uma sequência de representações associadas a uma actividade auto-referenciada de um indivíduo único. Há uma deslocação do centro para fora desse “eu” específico.
Não se propõe uma nova ordem nem desordem. Procura-se apenas um universo possível dentro de um universo diverso de possibilidades disponíveis, numa arquitectura impura, que trabalha nos entrestícios dos estilos e das ideias, que recebe, relê e recorta.
A condição natural da arquitectura é sempre a de uma situação “exposta”. Talvez seja esta a sua única exposição real. Os edifícios são construídos à escala natural, com os materiais verdadeiros, são experimentáveis (utilizáveis) e desenham contextos.
Expôr arquitectura num museu é necessariamente um outro trabalho. Uma abordagem literal implicaria construir de novo as mesmas casas, escolas, bairros, dentro do museu. Faltariam certamente alguns outros aspectos importantes que constituem o seu enquadramento e dão necessariamente o seu corpo (a luz, os cheiros, as construções, pessoas e hábitos envolventes). Sem todas estas faces, o projecto revela-se como “sem base”. Seria também uma ideia absolutamente impertinente do ponto de vista teórico, senão económico.
Tradicionalmente as exposições de arquitectura são exposições de representação de arquitectura. São “expostos” desenhos, fotografias ou modelos tridimensionais, a escalas sempre distintas da realidade.
São exposições de códigos, de comunicação restrita, apenas acessível a quem teve uma introdução prévia (arquitectos) e que possui o domínio desses mesmos códigos. A experiência de arquitectura reside aqui numa descodificação mental abstracta. Este modo de expor fecha a arquitectura sobre si mesma e deixa de fora os seus fruidores-utilizadores maioritários, ou seja, os não arquitectos.l
Uma outra noção de contexto, não estritamente físico (espacial) da sala do CCB, abriu o projecto a outras áreas do “fazer”. “Fazer” tornou-se contexto em si. Movimentámos o seu objecto no sentido do normal, isto é, plural, não exclusivo.
A escolha dos intervenientes (literatura, música, pintura e informática) é pessoal, arbitrária, e tem como único critério a sua proximidade com a arte, bem como a relação interna entre o acto de fazer e o objecto final. Procurou-se expôr a distinção/imitação entre o representacional e o “ser”, bem como o partilhável e o solitário do seu processo. O trabalho supõe uma relação, que comunga o formal (izar) sobre uma hipótese de conteúdo.
O objectivo é eventual e subjectivo.
A exposição propõe abrir uma textura temporal, lendo no espaço do Centro, repondo-o como uma leitura momentânea ou hipotética. Debilita a natureza “utópica” e permanente do seu espaço euclidiano. Noutros momentos as leituras são outras, desde a permutação presença/ausência-presente e vice-versa da sua linha longitudinal, à progressão rítmica dos pórticos estruturais, erodindo-se no seu decurso.
O objectivo indetermina-se, revelando-se ora como espaço, objectos ou representando.
No percorrer do espaço o observador muda alternadamente de escala (relativamente aos objectos) e de relação com o observar (de passivo para activo, de observador para observado).
As maquetas são elementos resistentes a essa erosão, expostos por essa erosão. São objectos reais uma vez que não há outros códigos que os remetam à situação de código.
Os optígrafos providenciam um novo sistema referencial deslocado, espacial e experimentável. O seu interior dá acesso ao real, imagens de alguns projectos já construídos. Funcionam como janelas para fora do espaço, para dentro de um campo perceptivo que expõe a natureza manipulativa (não real) da imagem. A experiência/jogo do olhar é espacializada e a imagem é “encenada”, habitando o espaço entre a moldura e a vista. O observador (voyeur) objectifica-se e acciona a arquitectura.
Também este “texto” não é o meu; a minha leitura reside na escrita-arquitectura. Este é um esforço rudimentar de o dizer, pelo recurso a frases e obediência à linguagem, no embaraço de quem não chega à literatura.