TSF 14 Fev 06
No Jornal Público de domingo passado, um extenso bloco de artigos abordava um tema importantíssimo: as nebulosas contas das obras públicas muitas vezes construídas – as contas e os edifícios – com tremendas derrapagens na sua trajectória. Foi um trabalho oportuno e bem fundamentado, com um único senão do ênfase negativo dado a edifícios notáveis. O que é compreensível pois são conhecidos de todos.
No entanto, na minha opinião, esses casos até provaram que fazer um investimento inesperado na qualidade arquitectónica pode conduzir a um retorno incomensuravelmente superior. Alguém consegue imaginar o que seria de Sidney sem o edifício da Ópera? Quantos biliões de pessoas cruzaram o globo seguindo o apelo dessa extraordinária arquitectura? Quantas pessoas investiriam o seu tempo e dinheiro para visitar Bilbau, uma obscura cidade industrial até à chegada do ícone desenhado por Gehry?
Para mim o problema é bem pior quando a derrapagem orçamental é grande, e a arquitectura não passa da mediocridade. E isso, infelizmente, é bem mais frequente. Gastar rios de dinheiro para construir monos, é um crime cultural e financeiro, ao passo que despender muito dinheiro para construir boa arquitectura é um investimento. E devemos faze-lo.
Um projecto que passará por este tipo de equações é o muito badalado aeroporto da OTA: espera-se que não haja a dita derrapagem e que venha enriquecer o nosso património arquitectónico. No entanto, até hoje, ou andei distraído ou nunca se debateu o que pode ser a sua arquitectura.
Um aeroporto, para além do gigantesco dispêndio financeiro que representa é o primeiro sinal da cultura de um país. É a primeira impressão que um visitante retém ao chegar e a última que leva ao partir. Seguramente não me identifico com o bocado de Portugal que levam do actual aeroporto da Portela. Sabe do que falo quem já passou, por ex. pelo fabuloso terminal da TWA desenhado por Saarinen para o aeroporto de Nova yorque.
É por isso que dou o meu modesto contributo com uma receita simples: junte-se à ambição infra-estrutural uma boa dose de ambição cultural; organize-se um concurso para equipas de projecto e junte-se um júri credível. No final, o resultado ser previsivelmente algo que dará uma impressão mais evoluída do nosso país.
Mas é necessário por de lado a falsa ideia de que um aeroporto só pode ser desenhado por especialistas. É que os melhores arquitectos, são acima de tudo, especialistas em enfrentar, sistematicamente, novos programas. O caso do Estádio do Braga, que foi o primeiro desenhado por Eduardo Souto de Moura, é um exemplo entre muitos.
Se não houver este entendimento, suspeito que vá ser mais uma oportunidade perdida, e esse, para mim, é o pior dos gastos…
(*) Intervenção de José Mateus no programa “Na Ordem do Dia“