TSF 18 Mar 2008
Uma edição recente da revista espanhola Arquitectura Viva, centrou a sua reflexão nos efeitos devastadores daquilo que hoje é reconhecido como uma catástrofe de consequências imprevisíveis, o crescimento desmesurado das cidades. Através do chamado “sprawl”, o crescimento em mancha-de-óleo consomem o território e transformam as cidades em massas disformes e desequilibradas, que agregam de forma casual dormitórios vazios de dia, parcelas semi-rurais, guetos étnico-sociais e centros de negócios vazios à noite.
Algumas consequências têm impacto visual, outras, vêm ao de cima sob a forma de conflitos sociais, como vimos nos bairros periféricos de Paris. Por fim, um problema maior e mais silencioso são as emissões de CO2 para a atmosfera, impulsionadoras de mudanças climáticas sem precedentes, já que cerca de 3/4 delas são causadas pelos transportes e pela combustão de carvão, petróleo e gás para produzir energia consumida nos edifícios.
Face a esta realidade, muitos diabolizam as cidades densas, e parecem defendem o “retorno” à chamada cidade-jardim, parecendo aludir ao modelo criado no final do século XIX, em alternativa às cidades europeias compactas, que surgia como uma tentativa de juntar os benefícios dos dois mundos, o rural e o urbano.
Ironicamente, estudos desenvolvidos nas últimas duas décadas referidos por aquela revista, vêm reforçar a ideia de que a cidade densa é mais sustentável em termos reais e a cidade-jardim, tal como existe, apenas em termos retóricos. A cidade compacta, com o encurtamento de distâncias, sobreposição de células habitadas e transportes colectivos, permite uma maior optimização do uso da energia, da água e do território.
Estudos sobre a realidade francesa, demonstram que a emissão anual de CO2 de uma casa nova de 120m2 nos subúrbios de uma cidade secundária, atinge em média 2.541 kg, praticamente o dobro de uma no centro de Paris. Quanto ao automóvel os dados também são claros: no centro de Paris, existem 89 carros por 100 habitantes, ao passo que nos subúrbios das cidades secundárias é de 136.
Se é verdade que no topo das prioridades está a fundamental e mais complexa mudança de operar, a dos hábitos e comportamentos das pessoas, temos que mudar as cidades em si, através de uma maior integração de todas as funções e equipamentos ao longo da sua estrutura. É fundamental a inclusão inteligente dos espaços verdes e a redução das superfícies asfaltadas e impermeáveis de forma a contrariar o aumento da temperatura. Nas zonas de baixa densidade, incluindo os subúrbios, a viabilidade está dependente da existência de todos os equipamentos básicos a distâncias percorríveis a pé ou bicicleta E, o que também é válido para o centro, da construção ou recuperação dos edifícios dotando-os de maior eficácia térmica e do recurso a energias renováveis.
Os dados recolhidos são claros e é fundamental termos essa consciência ao discutirmos o futuro de territórios-chave como o do aeroporto da Portela, ou do estuário do Tejo após a construção do novo aeroporto. Haja uma discussão séria, fundamentada, e sem demagogias.
Entretanto, para travar o dito sprawl, é fundamental apostar seriamente na recuperação do interior das cidades, trazendo de volta a população que as abandonou. E nisso, Portugal possui um atraso humilhante face aos seus parceiros europeus.
(*) Intervenção de José Mateus no programa “Na Ordem do Dia”