TSF 9 Mai 06

Há tempos atrás, houve um artigo do Financial Times cujo título era “ O Algarve está a ficar feio“, o que, vindo do país de origem de grande parte do turismo daquela região, dá que pensar. Porém, na minha opinião, exceptuando o Alentejo o problema já alastrou ao resto do país. E esse é um problema nacional gravíssimo: a degradação do território com a construção desenfreada, feia, incompetente e desordenada. Abunda a poluição visual.Sobre a mesma região, embora válido, na minha opinião, para o país em geral, vem-me à mente um texto, de uma beleza e sabedoria inigualáveis, escrito por Sophia de Mello Breyner Andressen. Foi publicado no nº 21 da “Távola Redonda“, no ano em que nasci: 1963, do qual não resisto a citar alguns parágrafos. “ Há uma beleza que nos é dada: beleza do mar, da luz, dos montes, dos animais, dos movimentos e das pessoas.Mas há  também uma outra beleza que o Homem tem o dever de criar: ao lado do negro da terra é o Homem que constrói o muro branco onde a luz e o céu se desenham.A beleza não é um luxo para estetas, não é um ornamento da vida, um enfeite inútil, um capricho. A beleza é uma necessidade, um princípio de educação e alegria.Diz S. Tomás de Aquino que a beleza é o esplendor da verdade. Pela qualidade e grau de beleza da obra que construímos se saberá se sim ou não vivemos com verdade e dignidade. A obra do Homem é sempre um espelho onde a consciência se reconhece.Quando olhamos à nossa roda as aldeias, vilas e cidades de Portugal temos que constatar que quase tudo quanto se construiu nas últimas décadas é feio. Feio e – ai de nós! – para durar. Feias as obras públicas e feias as obras particulares. As excepções à regra de fealdade são raras.“

 

Mas a autora, para além da constatação desta triste realidade, identifica um outro cenário possível: “A regra a seguir é esta: uma casa para todos e beleza para todos. E a beleza não é cara. É geralmente menos cara do que a fealdade que quase sempre se chama luxo, monumentalismo e pretensão. A beleza é simplicidade, verdade, proporção. Coisas que dependem muito mais da cultura e da dignidade do que do dinheiro.“Por fim, referindo-se ao Algarve, aponta alguns perigos a evitar, numa arte que deve ser, acima de tudo, humanista.“ Ali poderemos ter os materiais, as inovações, a técnica e a cultura do nosso tempo. Ali poderão trabalhar os arquitectos competentes que existem no nosso país.

Mas é urgente evitar os seguintes perigos: A incompetênciaO saloísmoAs especulações com os terrenosOs maus arquitectosO falso tradicionalismoA mania do luxo e da pompaAs obras de fachada.

Acima de tudo é preciso evitar a falta de amor. De todas asartes a arquitectura é simultaneamente a mais abstracta e a mais ligada à vida. Aqueles que não amam nem o espaço, nem a sombra, nem a luz, nem o cimento, nem a pedra, nem a cal, nem o próximo, não poderão criar boa arquitectura.“

O que impressiona, passados 43 anos é que na essência, a realidade observada por Sophia de Mello Breyner Andressen continua na mesma, mas agravada a uma escala irreversível. E os perigos que nesses distantes anos sessenta identificou, todos eles, parecem ter sido perversamente adoptados como normas de procedimento.

(*) Intervenção de José Mateus no programa “Na Ordem do Dia“